segunda-feira, 23 de março de 2009

Cultura, culturas e educação por Alfredo Veiga-Neto



Galerinha,

Segue uma boa reflexão sobre educação e cultura....boa leitura...

abs,

Moisés Silva
Jornalista, Historiador e Educador

Cultura, culturas e educação Culture,


cultures and education Alfredo Veiga-NetoUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Luterana do Brasil, Programa de Pós-Graduação em Educação RESUMOAssumindo uma perspectiva genealógica, este trabalho descreve a emergência do conceito de Cultura, na modernidade, como uma dupla marca de distinção social inventada por intelectuais germânicos do século XVIII e em contraste com o conceito de civilidade, que vinha se engendrando desde a Idade Média. A partir do texto kantiano Sobre a pedagogia, mostra-se como a articulação entre a Educação e aquele conceito funcionou no sentido de abstrair e idealizar os modos de vida, valores e produções culturais alemães da época como um grande modelo a ser imitado por toda e qualquer sociedade. Como um dos efeitos da vasta crise da modernidade, argumenta-se que a partir da virada lingüística não há mais como continuar assumindo aquele sentido universal para a cultura, de modo que a epistemologia monocultural moderna se estilhaça na forma de muitos multiculturalismos. Palavras-chave: cultura, multiculturalismos, civilidade, Kant, Wittgenstein, virada lingüística, história genealógica


ABSTRACTThis paper discusses the emergence of the modern concept of Culture, as a double social distinction invented by German intellectuals of the XVIII century, and as a contrast with the medieval concept of civility, from a genealogical point of view. Using the Kantian text 'On Pedagogy', the paper reveals how the link between education and the concept of Culture served to disseminate and idealise the German ways of life, values and cultural productions, and to transform them into the model to be followed by any society. As an effect of the crisis of Modernity, it is argued that after the linguistic turnabout it is impossible to assume this universal meaning for culture, with the result that the modern monocultural epistemology splinters into many multiculturalisms. Key-words: culture, multiculturalisms, civility, Kant, Wittgenstein, linguistic turnabout, genealogy


Introdução


Escrever algo novo sobre as relações entre cultura e educação é um desafio. O que já se disse sobre esse binômio... Ainda assim, ele parece sempre novo, sempre aí a nos desafiar, com as suas mais de mil e uma faces, com as suas infinitas possibilidades. Isso decorre em parte da própria complexidade e múltiplos sentidos dos dois termos do binômio; uma rápida consulta a algum manual de antropologia ou de pedagogia revelará a notável polissemia dessas duas palavras e até mesmo fortes desacordos entre aqueles que falam delas. E quantas não vêm sendo as suas ressignificações ao longo da história... Tais ressignificações vêm proliferando especialmente nas últimas décadas. Como em nenhum outro momento, parecem tornar-se cada vez mais visíveis as diferenças culturais. Igualmente, mais do que nunca, têm sido freqüentes e fortes tanto os embates sobre a diferença e entre os diferentes, quanto a opressão de alguns sobre os outros, seja na busca da exploração econômica e material, seja nas práticas de dominação e imposição de valores, significados e sistemas simbólicos de um grupo sobre os demais. Os muitos entendimentos de hoje sobre o que seja cultura,1 sobre o que seja educação e sobre as relações entre ambos se encontram no centro de tais embates. Nesse contexto, o próprio papel atribuído à educação acabou transformando a pedagogia - enquanto campo dos saberes - e a escola - enquanto instituição - em arenas privilegiadas, onde se dão violentos choques teóricos e práticos em torno de infinitas questões culturais. E, como todos sabemos, tais embates envolvem argumentos, ações e estratégias que extravasam largamente o plano puramente intelectual. Assiste-se atualmente a um crescente interesse pelas questões culturais, seja nas esferas acadêmicas, seja nas esferas políticas ou da vida cotidiana. Em qualquer caso, parece crescer a centralidade da cultura para pensar o mundo. Mas tal centralidade não significa necessariamente tomar a cultura como uma instância epistemologicamente superior às demais instâncias sociais - como a política, a econômica, a educacional; significa, sim, tomá-la como atravessando tudo aquilo que é do social. Assim, assiste-se hoje a uma verdadeira virada cultural, que pode ser resumida como o entendimento de que a cultura é central não porque ocupe um centro, uma posição única e privilegiada, mas porque perpassa tudo o que acontece nas nossas vidas e todas as representações que fazemos desses acontecimentos (Hall, 1997). Essas são questões da mais alta relevância, tanto no campo acadêmico quanto no campo mais, digamos, "concreto" de nossas práticas sociais. Seria preciso lembrar, por exemplo, que estamos assistindo a uma onda mundial de imposição do American way of life em nível planetário? E lembrar que, mais do que simples assistentes, estamos sendo levados a participar ativa ou passivamente dessa onda? Saibamos ou não e queiramos ou não, estamos enredados nessas questões. E seja como for, é preciso estarmos atentos a elas, discuti-las, problematizá-las, sabermos sobre o que estão (os outros) e estamos (nós) falando. É imprescindível sabermos de onde vieram tais questões e para onde elas podem nos levar. Enfim, à conhecida pergunta nietzschiana "que estamos fazendo de nós mesmos?", proponho que se acrescente "que estão fazendo de nós mesmos?". Mas a proliferação semântica a que antes aludi é relativamente recente. Faz pouco tempo que o velho binômio parece estar se transformando em um polinômio bastante complexo, com muitas e muitas variáveis, com muitas e muitas incógnitas. Neste texto, pretendo trazer alguma contribuição não apenas para as discussões que estão sendo travadas em torno desse polinômio mas, sobretudo, para as discussões que buscam compreender a proveniência e a emergência2 do conceito moderno de Cultura, bem como alguns comentários sobre os deslocamentos atuais deste conceito, dos quais resultou aquela proliferação. Penso que isso é útil para entender mais refinadamente as dificuldades que surgiram especialmente no campo da educação, a partir da emergência e dos avanços de uma epistemologia multicultural.3 São dificuldades que se colocam justamente quando, em vez de escrevermos cultura e educação, passamos a escrever culturas e educação. Ao falar em "alguma contribuição", faço três alertas. O primeiro: aqui, meu objetivo não é propor soluções, nem fazer prescrições, nem tampouco julgar. O que quero é apenas tecer algumas considerações de ordem histórico-genealógica, de modo a mostrar o atrelamento da Pedagogia e da escola moderna à invenção do conceito de Cultura, e o quanto isso pode funcionar como um obstáculo para as transformações educacionais e sociais que hoje pensamos ser necessárias. Assim, este texto tem um cunho analítico e, talvez, descritivo; quem nele quiser encontrar soluções práticas para as nossas dificuldades no cruzamento da educação com a Cultura, sairá frustrado... Meu objetivo aqui não é apontar "o que podemos fazer para tornar o futuro melhor", mas tão-somente propor uma problematização do presente a partir de uma descrição de como chegamos até aqui, de como se constituiu um determinado estado de coisas. E isso me leva ao segundo alerta: não considero, absolutamente, irrelevantes as discussões que muitos vêm travando sobre "o que podemos fazer para tornar o futuro melhor". Eu mesmo tenho, na medida das minhas possibilidades, tentado trabalhar nesse sentido. Aliás, a Pedagogia moderna parece não poder se esquivar do compromisso de combinar e conciliar o passado com o futuro. Por fim, o terceiro alerta; e este agora parte dos dois anteriores para, justamente, se contrapor ao primeiro deles e, de certa forma, nos conciliar com o segundo. Mesmo que neste texto o meu objetivo não seja apontar soluções, é preciso reconhecer que sabendo - mesmo que minimamente - como chegamos a um determinado estado de coisas, fica muito mais fácil desconstruir aquilo que nos desagrada nesse estado de coisas. A desnaturalização dos fenômenos sociais - ou seja, tomá-los não como algo desde sempre dado, mas como algo historicamente construído - é um primeiro e necessário passo para intervir nesses fenômenos. Saber como chegamos a ser o que somos é condição absolutamente necessária, ainda que insuficiente, para resistir, para desarmar, reverter, subverter o que somos e o que fazemos. Talvez, então, ressoem no fundo deste texto uma ou outra possibilidade para nossa ação como professores e professoras. E se for mesmo assim, que isso sirva de algum consolo para os que aqui buscam soluções... A Cultura De modo um tanto resumido, pode-se dizer que ao longo dos últimos dois ou três séculos as discussões sobre Cultura e educação restringiram-se quase que apenas a questões de superfície. Com isso não quero dizer que as discussões tenham sido superficiais, mas sim que, por um bom tempo, a Modernidade não questionou seriamente os conceitos de Cultura e de educação; quase nunca esteve em pauta problematizar seus significados modernos. Ao contrário, o que se fez foi centrar as discussões a partir de uma base conceitual assumidamente comum para, a partir daí, analisar, propor, debater, pensar no âmbito da Cultura e da educação. Aceitou-se, de um modo geral e sem maiores questionamentos, que cultura designava o conjunto de tudo aquilo que a humanidade havia produzido de melhor - fosse em termos materiais, artísticos, filosóficos, científicos, literários etc. Nesse sentido, a Cultura foi durante muito tempo pensada como única e universal. Única porque se referia àquilo que de melhor havia sido produzido; universal porque se referia à humanidade, um conceito totalizante, sem exterioridade. Assim, a Modernidade esteve por longo tempo mergulhada numa epistemologia monocultural. E, para dizer de uma forma bastante sintética, a educação era entendida como o caminho para o atingimento das formas mais elevadas da Cultura, tendo por modelo as conquistas já realizadas pelos grupos sociais mais educados e, por isso, mais cultos.4 Desde que no século XVIII alguns intelectuais alemães passaram a chamar de Kultur a sua própria contribuição para a humanidade, em termos de maneiras de estar no mundo, de produzir e apreciar obras de arte e literatura, de pensar e organizar sistemas religiosos e filosóficos - especialmente todo aquele conjunto de coisas que eles consideravam superiores e que os diferenciava do resto do mundo -, a Cultura passou a ser escrita com letra maiúscula e no singular. Maiúscula porque era vista ocupando um status muito elevado; no singular porque era entendida como única. E se era elevada e única, foi logo tomada como modelo a ser atingido pelas outras sociedades. Veio daí, por exemplo, a diferenciação entre alta cultura e baixa cultura. Simplificando, a alta cultura passou a funcionar como um modelo - como a cultura daqueles homens cultivados que "já tinham chegado lá", ao contrário da "baixa cultura" - a cultura daqueles menos cultivados e que, por isso, "ainda não tinham chegado lá". De tal diferenciação ocuparam-se muitos pedagogos, uma vez que a educação foi - e ainda é - vista por muitos como o caminho natural para a "elevação cultural" de um povo (Veiga-Neto, 2002a). Veio também daí o cunho elitista conferido a expressões do tipo "fulano é culto", "esse grupo tem uma cultura superior àquele outro", ou "o nosso problema é a falta de cultura". Em qualquer desses casos é evidente o recurso ao conceito de cultura como um elemento de diferenciação assimétrica e de justificação para a dominação e a exploração. Quando digo que as questões que se colocavam em discussão em torno da Cultura eram de superfície, estou apontando para o fato de que o principal objeto dos debates era saber quais os marcadores culturais que definiriam - em cada grupo e a cada momento - o que seria relevante para ser colocado na pauta das avaliações e que serviriam para demarcar a "verdadeira" cultura, a alta cultura. As discussões nada tinham de radicais, uma vez que muito raramente se questionou o arbitrário contido no próprio conceito de Kultur. Afinal, "sabia-se" tranqüilamente o que era Cultura; "sabia-se", também, o que era educação. Em termos de significação, as divergências não iam, no máximo, além de nuanças conceituais em torno dessas duas palavras. Buscando um pouco mais atrás, penso que a epistemologia monocultural moderna encontrou sua condição de possibilidade na revolução copernicana.5 Imagino que seja possível identificar uma proveniência do conceito moderno de Cultura na virada heliocêntrica, como uma tentativa de restituir algum destaque à posição do Homem na ordem do mundo, depois de ele ter sido retirado do centro que pensava estar ocupando ao longo de quase quinze séculos. Em articulação com a perplexidade e com as profundas transformações decorrentes da crise do geocentrismo antigo e medieval, a Cultura funcionou como um refúgio capaz de abrigar um Homem agora diminuído e perdido no mundo. Ela funcionou como um lugar simbólico - fosse por seus atributos de simples lugar, fosse pelo fato de ser um lugar exclusivamente humano -, como uma morada, capaz de conferir ao Homem um sentido de pertença e uma identidade única que ele pensava ter perdido.6 Em suma, a linha do argumento teria sido mais ou menos a seguinte: "Está bem. Primeiro deslocaram a ênfase da minha dimensão divina ou espiritual para a minha dimensão humana. E agora mais essa: eu não estou no centro da Natureza, não mais ocupo o centro do mundo natural... Mas continuo sendo único porque sou capaz de erigir uma Cultura única". A Cultura e a educação Boa parte do pensamento pedagógico moderno alimentou-se desse - ao mesmo tempo que alimentou esse - entendimento de Cultura que comentei na seção anterior. Para compreender isso melhor e para articular essa questão com a educação, costumo referir como emblemáticas algumas passagens do texto kantiano conhecido como Sobre a pedagogia (Kant, 1996). Vale a pena examinarmos mais de perto alguns trechos escritos entre 1776 e 1777, desse que é tido como um dos pilares da Modernidade. Logo depois de dizer que a educação compreende o cuidado, a disciplina e a instrução e que é pela ação dessas duas últimas que se dá a formação (Bildung), Kant afirma: Não há ninguém que, tendo sido abandonado durante a juventude, seja capaz de reconhecer na sua idade madura em que aspecto foi descuidado, se na disciplina, ou na cultura (pois que assim pode ser chamada a instrução). Quem não tem cultura de nenhuma espécie é um bruto; quem não tem disciplina ou educação é um selvagem. A falta de disciplina é um mal pior do que a falta de cultura, pois essa pode ser remediada mais tarde, ao passo que não se pode abolir o estado selvagem e corrigir um defeito de disciplina. (Kant, 1996, p.16) Um pouco adiante lê-se (Kant, 1996, p. 26-27): Na educação, o homem deve, portanto: 1) Ser disciplinado. Disciplinar quer dizer: procurar impedir que a animalidade prejudique o caráter humano, tanto no indivíduo como na sociedade. Portanto, a disciplina consiste em domar a selvageria. 2) Tornar-se culto. A cultura abrange a instrução e vários conhecimentos. A cultura é a criação da habilidade e essa é a posse de uma capacidade condizente com todos os fins que almejemos [...]. 3) A educação deve também cuidar que o homem se torne prudente, que ele permaneça em seu lugar na sociedade e que seja querido e que tenha influência. A essa espécie de cultura pertence o que se chama propriamente civilidade. Esta requer certos modos cortezes, gentileza e a prudência de nos servirmos dos outros homens para os nossos fins [...]. 4) Deve, por fim, cuidar da moralização [...]. Em sintonia com outros autores alemães do século XVIII - como Goethe, Schiller, Herder, Fichte etc. -, Kant diferencia Cultura de civilidade, não entendendo aquela como uma decorrência necessária do desenvolvimento desta, ou seja, como o resultado de um aperfeiçoamento da civilização. Ao contrário, Kant e os outros intelectuais citados são unânimes em estabelecer um contraponto entre Cultura e civilidade. Chamo a atenção para tal diferenciação porque ela é fundamental para compreender a importância do conceito de Cultura. Como bem demonstrou Elias (1989), tal conceito se inscreve como fundamentação ao próprio projeto de uma autoconsciência nacional germânica que viria a se disseminar amplamente mundo afora e que teria desdobramentos notáveis e dramáticos nos dois séculos seguintes. Com isso, esses autores fixaram as três principais características que cercam o conceito de Cultura ao longo da Modernidade. Em primeiro lugar, o seu caráter diferenciador e elitista. Ao instituírem e propalarem como modelo o que eles mesmos diziam ser o que já era - ou, em muitos casos, o que deveria plenamente vir a ser no futuro - o povo alemão - em termos de modo de vida, feitos e valores artísticos, filosóficos, espirituais, religiosos, literários etc. -, aqueles arquitetos da Modernidade inventaram um sentido para a palavra Kultur que lhes era muito útil como uma marca de distinção. Por um lado, eles entendiam a civilidade como um conjunto de atitudes e ações humanas que eram da ordem do comportamento - tais como gesticulação, cortesia, recato, elegância, boas maneiras, savoir-faire, amabilidade, delicadeza, cavalheirismo e até afetação, maneirismo e simulação -, coisa que em parte está clara no terceiro item citado. A civilidade foi a denominação que há muito já vinha sendo dada à disposição geral em que os comportamentos individuais eram cada vez mais auto-regulados; uma disposição que se dava como uma contraposição ao - e em substituição ao - enfraquecimento das coações externas e dos códigos hierárquicos nobiliários. Ela representava a substituição da espontaneidade pela contenção dos afetos. Por outro lado, a Cultura era entendida como um conjunto de produções e representações que eram da ordem dos saberes, da sensibilidade e do espírito. Para aqueles alemães, ainda que qualquer grupo social pudesse ser - ou vir a ser - civilizado, a cultura seria um apanágio dos homens e das sociedades superiores. E nem é preciso lembrar que, para todos eles, era a nascente sociedade burguesa alemã que personificava o mais alto estágio a que tinha chegado a Humanidade... Para eles, por exemplo, os franceses podiam ser civilizados, mas não eram capazes de ter a Cultura modelar dos alemães. Mas é bom lembrar que, de certa maneira, aí não estavam incluídos todos os alemães: a própria aristocracia germânica era vista com grandes reservas por esses intelectuais. Os aristocratas germânicos podiam ser até bastante civilizados; mas quanto mais o fossem, mais seriam vistos como contaminados pelo maneirismo e futilidade dos franceses. Desse modo, de um só golpe, aqueles autores instituíam a representação de uma supremacia nacional germânica e de uma distinção de classe. E em ambas, supremacia e distinção, foram bem-sucedidos. Em segundo lugar - e em íntima ligação com o que comentei anteriormente -, o caráter único e unificador da Cultura. Ligado a isso, está o papel atribuído à educação. De novo recorro a Kant, que é muito claro a esse respeito; logo depois da passagem em que discute as relações entre disciplina e cultura, ele escreve: Talvez a educação se torne sempre melhor e cada uma das gerações futuras dê um passo a mais na direção ao aperfeiçoamento da Humanidade, uma vez que o grande segredo da perfeição da natureza humana se esconde no próprio problema da educação. A partir de agora, isto pode acontecer. [...] Isto abre a perspectiva para uma futura felicidade da espécie humana. (idem, p. 16-17) Ao lastimar a situação política de seu tempo - numa alusão velada aos desmandos da decadente aristocracia alemã e penso que também à agudização do absolutismo francês, fenômenos políticos muito intensos na segunda metade do século XVIII -, o filósofo assim se manifesta: [...] nas condições atuais pode dizer-se que a felicidade dos Estados cresce na mesma medida que a infelicidade dos homens. E não se trata ainda de saber se seríamos mais felizes no estado de barbárie, onde não existiria toda essa nossa cultura, do que no atual estado. De fato, como poderíamos tornar os homens felizes, se os não tornamos morais e sábios? Deste modo, a maldade não será diminuída. (idem, p. 29) Ora, é a partir daí que Kant vai detalhar como deverá ser a educação escolarizada, de modo que se torne eficiente para a construção de uma nova germanidade. E, sob o manto de um pretenso humanismo universal, o que estava em jogo era a imposição, pela via educacional, de um padrão cultural único, que era ao mesmo tempo branco, machista, de forte conotação judaico-cristã, eurocêntrico e, é claro, de preferência germânico. De certa maneira, as muitas campanhas que se desenrolaram desde então, em defesa de uma escola única para todos, foram herdeiras dessa ideologia monoculturalista. Mas isso não teria os efeitos que teve se, além de ser essa uma tarefa atribuída à escola, o Estado não tivesse tomado a escola como a instituição que, a seu serviço, realizasse da maneira mais ampla e duradoura a tarefa de regular a sociedade (Veiga, 2002). Assim, assumindo tranqüilamente um entendimento generalizante, essencialista e abstrato sobre o indivíduo e a sociedade, a educação escolarizada foi logo colocada a serviço de uma Modernidade que deveria se tornar a mais homogênea e a menos ambivalente possível. Ou, em outras palavras: uma sociedade a mais previsível e segura possível. Ou, usando o pensamento de Bauman (2000): a escola foi colocada a serviço da limpeza do mundo. Um mundo mais limpo seria aquele em que, junto com a civilidade, se desenvolvesse também uma cultura universalista, em relação à qual as demais manifestações e produções culturais dos outros povos não passariam de casos particulares - como que variações em torno de um ideal maior e mais importante -, ou de simples imitações, ou de degenerescências lamentáveis. No âmbito da cultura, a situação ideal num mundo completamente limpo seria aquela que chamei de máxima isotropia (Veiga-Neto, 2002c), a saber, uma situação sociocultural em que, no limite, cada ponto do espaço social guarda uma relação de identidade com os pontos adjacentes, de maneira que, se atingido tal limite, o conjunto apresentar-se-ia inteiramente homogêneo e com um risco social igual a zero. Em outras palavras, isso significa o rebatimento de tudo e de todos a um Mesmo; em termos culturais, significa uma identidade única e a rejeição de toda e qualquer diferença. Em terceiro lugar, o caráter idealista de Cultura. Atualizando a doutrina platônica dos dois mundos, aqueles autores alemães assumiam a possibilidade de efetivar, aqui neste mundo, as formas perfeitas que estariam num outro mundo, no mundo das idéias - esquecendo ou ocultando o caráter construído de tal doutrina.7 A esse respeito, Kant (1996) assim se manifesta: O projeto de uma teoria da educação é um ideal muito nobre e não faz mal que não possamos realizá-lo. [...] Uma Idéia não é outra coisa senão o conceito de uma perfeição que ainda não se encontra na experiência. Tal, por exemplo, seria a Idéia de uma República perfeita, governada conforme as leis da justiça. Dir-se-á, entretanto, que é impossível? Em primeiro lugar, basta que a nossa Idéia seja autêntica; em segundo lugar, que os obstáculos para efetuá-la não sejam absolutamente impossíveis de superar. (p.17) Pouco importa se, nesta passagem, Kant tenha usado o idealismo apenas como um recurso retórico ou heurístico. O que interessa é que tal idealismo acabou tanto impregnando o entendimento moderno do que deve ser uma (verdadeira) teoria da educação, quanto alimentando a busca de uma sociedade e de uma cultura cuja "perfeição [...] ainda não se encontra na experiência" (idem, ibidem). Esse idealismo foi- e continua sendo - uma condição necessária para se acreditar na possibilidade e desejabilidade de uma cultura única e universal. Foi também tal idealismo que fez da civilidade uma coisa exclusivamente deste mundo, enquanto que colocou a Cultura neste mundo mas como uma projeção de um ideal metafísico situado num outro lugar. De Cultura para culturas Foi só nos anos 20 do século passado que começaram a surgir as rachaduras mais sérias no conceito moderno de Cultura. Os primeiros ataques vieram da antropologia, da lingüística e da filosofia; e logo parte da sociologia também começou a colocar em questão a epistemologia monocultural. Mais recentemente, a politicologia e especialmente os Estudos Culturais foram particularmente eficientes no sentido de desconstruir - ou, às vezes, no sentido até de detonar - o conceito moderno e nos mostrar a produtividade de entendermos que é melhor falarmos de culturas em vez de falarmos em Cultura.8 (Costa, 2000) Em qualquer caso, esse deslocamento está fortemente conectado à vasta crise da Modernidade. E, mais uma vez, é preciso lembrar que se trata de um deslocamento que se manifesta numa dimensão teórica, intelectual, mas que não se reduz a uma questão- nem somente, nem mesmo preferencialmente - epistemológica. Muito mais do que isso, tal deslocamento é inseparável de uma dimensão política em que atuam forças poderosas em busca pela imposição de significados e pela dominação material e simbólica. Se o monoculturalismo coloca a ênfase no Humanismo e, em boa parte, na estética, o multiculturalismo muda a ênfase para a política. E se as atribuições de significados são, sempre e ao mesmo tempo, uma questão epistemológica e uma questão de poder - e, por isso, uma questão política -, é fácil compreender o quanto tudo isso se torna mais agudo quando se trata de significações no campo da cultura, justamente o campo onde hoje se dão os maiores conflitos, seja das minorias entre si, seja delas com as assim chamadas maiorias. Para enfrentar o problema posto pelas evidências, a saber, de que na prática jamais tenha sido observada ou experimentada qualquer experiência monocultural, os defensores dessa epistemologia argumentam que é preciso procurar além das aparências imediatas.9 Seria preciso ir mais fundo para encontrar a lógica única e o repertório comum de princípios, códigos, valores etc., comuns a todas as culturas e, por isso, partilhados por todas elas. Para esses (ainda...) defensores do monoculturalismo, a universalidade não se dá nem nos detalhes nem na imediatez da experiência, mas está no nível dos princípios gerais, das generalizações. Esse não deixa de ser um argumento interessante. Mas basta pedir que se apresente pelo menos um desses princípios que seja válido para todas as culturas para nos darmos conta de que isso não é possível... Mas há ainda um outro argumento a favor desse universalismo idealista. Trata-se de um argumento lógico um tanto forte e importante, de modo que é preciso trazer algumas considerações sobre ele. Esse segundo argumento diz que se não houvesse um denominador comum a todas as culturas - ou seja, pelo menos uma propriedade ou princípio transcendente que funcionasse da mesma maneira em toda e qualquer cultura -, então não haveria como uma cultura se comunicar com as demais. Nem haveria como diferenciar uma cultura de todas as outras. Assim, não haveria nem mesmo como saber que estamos diante de uma cultura. Este, aliás, é o argumento que os anti-relativistas10 aplicam para defender não apenas um suposto caráter universalista da Cultura, como também qualquer outro conceito ou princípio que acharem conveniente universalizar. Da mesma maneira, é tal entendimento que dá suporte à noção de que existe uma essência na Linguagem e que, em conseqüência, existe uma essência por detrás dos conceitos, na medida em que eles são "manifestações lingüísticas". Uma prova prática disso seria, por exemplo, a tradutibilidade, isso é, a possibilidade de traduzir uma língua para qualquer outra - ainda que muitos desses anti-relativistas concordem que, a rigor, isso nunca consiga ser inteiramente satisfatório, pleno. Assim, a tradutibilidade, mesmo que parcial, seria uma prova empírica de que deve haver pelo menos um - ou até mesmo alguns ou muitos - invariante(s) supralingüísticos universais. Enquanto isso, a dificuldade em conseguir uma tradução definitiva e inteiramente satisfatória decorreria tão-somente de ruídos comunicacionais, de incompetências lingüísticas ou de imperfeições dessa ou daquela língua...11 A dificuldade não decorreria da linguagem per se, mas de uma suposta natureza da comunicação ou de um uso incorreto que fazemos da linguagem. O mesmo raciocínio pode ser estendido para a Cultura e para as relações interculturais. Para não deixar esse segundo argumento pairando no ar - como se ainda tivesse uma força que, a rigor, ele não tem mais -, lembro que foi justamente da filosofia da linguagem que saíram algumas contribuições muito interessantes para situar toda essa problemática num outro registro. Para finalizar, comento sucintamente a produtividade dessas contribuições para uma defesa da(s) epistemologia(s) multicultural(is), caso isso fosse necessário... Como mostraram alguns filósofos da linguagem, a questão da tradutibilidade não deve ser colocada nos termos de buscar um elemento comum que possa servir de elo de ligação e compreensão para todas as linguagens e, por extensão, para todas as culturas. A virada lingüística empreendida por tais filósofos - e muito especialmente pelo segundo Wittgenstein - modifica o entendimento tradicional da linguagem, assumindo a impossibilidade de fundamentá-la lógica e ontologicamente12 fora dela mesma. Conseqüentemente, eles abdicam da busca de qualquer critério metalingüístico ou metacultural, de qualquer essência translingüística ou transcultural. Eles despedem-se de uma metafísica da linguagem e trazem a linguagem para o mundo cotidiano; ela não está fundada num outro lugar. Igualmente, não há um outro mundo a sustentar aquilo que chamamos de cultura. Ao invés de ser entendida como um cálculo - que determinaria as regras como referimos "as coisas que já estavam aí" e como as significamos -, a linguagem passa a ser entendida como um jogo, "abrangendo, com isso, o aspecto pragmático presente na linguagem" (Condé, 1998, p. 91). Em outras palavras, ela é sempre contingente, e é por isso que existe uma margem de indeterminação nas coisas ditas (e pensadas) que "não compromete a possibilidade do discurso significativo" (Dias, 2000, p. 51) mas que, ao contrário, abre a possibilidade para que sempre se continue a conversação. E talvez, mais do que se dar uma possibilidade, seja o caso de falar em uma necessidade de continuar a conversação. Como argumentou exaustivamente o segundo Wittgenstein, existe uma gramática profunda pautada por regras; mas se trata de regras contingentes, cujo uso se origina e se transforma no curso da vida. Assim, a própria gramática profunda é contingente. De tudo isso resulta que a virada lingüística não institui um tudo vale, pois, como claramente explica Dias (2000, p. 51), "regras contingentes são regras de uso determinado pela prática da linguagem, e não devemos confundi-las com a ausência de regularidade, com uma completa indeterminação do significado". As conseqüências dessa virada são imensas. Ela estilhaça aos cacos e pluraliza não apenas a Linguagem, mas também a Cultura, e nos leva a falar em linguagens e em culturas. Para o segundo Wittgenstein, por exemplo, as semelhanças entre todas as linguagens - e podemos dizer: entre todas as culturas - não decorre de uma suposta invariância metalingüística - e podemos dizer: metacultural -, mas sim de uma familiaridade decorrente do próprio uso que fazemos delas em múltiplos jogos de linguagem (Sprachspiel), do próprio fato de estarmos imersos nelas, jogando dentro delas, linguagem e cultura (Baker & Hacker, 1980). Outra conseqüência da virada lingüística, que me parece particularmente significativa no cruzamento entre culturas e educação, se dá no plano da ética. Ao assumir, em geral implicitamente, a possibilidade de uma linguagem auto-suficiente e ideal, a epistemologia monoculturalista assume, inescapavelmente, uma postura intelectual arrogante porque única e, no limite, de conteúdo determinável e, por isso, de cunho determinista. Nesse caso, cabe à educação apenas dizer, àqueles que estão entrando no mundo, o que é mesmo este mundo e como ele funciona. É evidente o tom totalitário de qualquer pedagogia monocultural... Ao contrário, qualquer multiculturalismo já é, pelo menos epistemologicamente, humilde, na medida em que assume que, por mais que se fale, nunca se saberá o que é mesmo este mundo nem como ele funciona. E lembro que essa incompletude do dito não decorre de alguma suposta incompletude do entendimento humano ou do próprio dizer, mas sim da linguagem em que se aloja o dito. Não se chega lá no mundo, não porque como humanos sejamos limitados, mas simplesmente porque aquilo que chamamos de lá - ou talvez seja melhor dizer: o lá naquilo que ele significa para nós - constitui-se justamente a cada momento em que nele e dele se fala. O lá é um mutante em constante mutação não em si mesmo, mas naquilo que se diz dele e, conseqüentemente, naquilo que se pensa sobre ele.13 Ora, com isso, qualquer pedagogia multicultural não pode pretender dizer, aos que estão entrando no mundo, o que é o mundo; o que no máximo ela pode fazer é mostrar como o mundo é constituído nos jogos de poder/saber por aqueles que falam nele e dele, e como se pode criar outras formas de estar nele. Um tal indeterminismo abre perspectivas extremamente desafiadoras, produtivas e interessantes no campo pedagógico. Voltando ao plano da ética - e para citar apenas um exemplo - lembro que o papel da Pedagogia se amplia muito, na medida em que ela pode se tornar o principal campo em que se dará a conversação permanente e infinita, sempre mutante, sobre o que fizemos, o que estamos fazendo e o que poderemos fazer de nós mesmos. Dado que qualquer julgamento moral só acontece e se desenvolve em práticas discursivas, a Pedagogia poderá tomar a si e intensificar a tarefa de, minimamente, organizar os contextos da fala e de, maximamente, mostrar as regras segundo as quais se dão os ditos, em termos da ordem do que é dito, dos poderes que mobiliza e das regularidades do dizer. Ao deslocar o entendimento da linguagem pela raiz, de uma só vez a virada lingüística resolveu o problema da incompletude das linguagens, dissolveu a questão da impossibilidade da tradução suficiente e nos colocou novos desafios. Isso equivale a dizer que a virada lingüística nos mostra que o babelismo - lingüístico ou cultural, o que é quase a mesma coisa - não é propriamente um problema, mas é, sim, o nome que atribuímos ao estado em que a linguagem se dá para nós.14 E ela se dá assim porque não temos um lugar de fora dela para dela falar; estamos sempre e irremediavelmente mergulhados na linguagem e numa cultura, de modo que aquilo que dizemos sobre elas não está jamais isento delas mesmas. Trata-se de uma virada porque justamente o que parecia tão problemático não passa de um estado do mundo, enquanto aquilo que parecia ser o estado do mundo não passa de uma invenção, de um idéia inventada, de uma idéia que um dia foi idealmente idealizada... Referências bibliográficas BAKER, G., HACKER, P., (1980). An analytical comentary on Wittgenstein's Philosophical investigations. Oxford: Basil Blackwell.


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ALFREDO VEIGA-NETO, doutor em educação, professor titular aposentado do Departamento de Ensino e Currículo da Faculdade de Educação da UFRGS, atualmente é professor convidado do Programa de Pós-Graduação em Educação dessa mesma Universidade e professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Luterana do Brasil. Publicou recentemente os seguintes artigos e capítulos de livros: Curriculum y exclusión social (Morón-Sevilla: Kikiriki, ano XIV, n° 59-60, dec. 2000-may, 2001, p. 45-49); Incluir para saber; saber para excluir (Pró-Posições, v. 12, n° 3 (36), nov. 2001. p. 22-31); Currículo e telemática (In: MOREIRA, Antônio Flávio, MACEDO, Elizabeth (orgs). Currículo, práticas pedagógicas e identidades. Porto: Porto, 2002. p. 53-64); Interdisciplinaridade na pós-graduação: isso é possível? (In: FERNANDES, Aliana, GUIMARÃES, Flávio Romero, BRASILEIRO, Maria do Carmo E. (org.). O fio que une as pedras: a pesquisa interdisciplinar na pós-graduação. São Paulo: Biruta, 2002. p. 26-35). Uma lança com duas pontas (In: ROSA, Dalva E. G., SOUZA, Vanilton C. (org.). Políticas organizativas e curriculares, educação inclusiva e formação de professores. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p. 151-158). Publicou ainda os livros: com Maria Lúcia Wortmann, Estudos culturais da ciência e educação (Belo Horizonte: Autêntica, 2001) e com Margareth Rago e Luiz B. L. Orlandi, Imagens de Foucault e Deleuze: ressonâncias nietzschianas (Rio de Janeiro: DP&A, 2002). Atualmente coordena a pesquisa Dispositivos disciplinares e educação. E-mail: alfredoveiganeto@uol.com.br e http://www.ufrgs.br/faced/alfredo


1 Por razões que serão explicitadas e discutidas ao longo deste texto, ora a palavra cultura é grafada com inicial maiúscula, ora com inicial minúscula. 2 Ao invés de falar em origens, sigo o vocabulário da história genealógica, proposta por Nietzsche (s.d.): proveniência (Herkunft) como o conjunto das condições de possibilidade nas quais - no seio das quais ou a partir das quais - engendrou-se a emergência (Entestehung) de um novo conceito, idéia, prática (discursiva ou não-discursiva) etc. 3 Estou usando a expressão epistemologia multicultural no sentido dado por Semprini (1999), ou seja, todo o conjunto teórico que dá a base conceitual e fornece a legitimação intelectual para o movimento multiculturalista e que se apóia no entendimento de que a realidade é uma construção, as interpretações são subjetivas, os valores são relativos e o conhecimento é um fato político e, portanto, sempre público. Dadas essas bases em que se assenta, a epistemologia multicultural não se constitui, de maneira alguma, num corpus único ou homogêneo; por isso, alguns preferem usar essa expressão no plural: epistemologias multiculturais. 4 Não deixa de ser interessante assinalar a circularidade aqui presente. 5 O que não exclui, naturalmente, o papel desempenhado também pelo Renascimento, como já foi por muitos referido. 6 Para uma discussão sobre o sentido que estou atribuindo a lugar enquanto "porção" de significados no espaço epistemológico, vide Foucault (2001), Veiga-Neto (2002b) e Friedland e Boden (1994). 7 Relacionado a tudo isso, sugiro como um bom exercício o rastreamento do neoplatonismo presente na pedagogia kantiana e, de resto, na pedagogia moderna. A título de ilustração, chamo a atenção para o caráter tripartite de infante-educando-discípulo - já presente no primeiro parágrafo da obra -, numa evidente simetria com o papel de filósofo-mestre-político, daquele que tira seu povo da escuridão, na alegoria platônica da caverna. 8 Sobre essa questão, vide também Storey (1997) e Semprini (1999). 9 O que é o mesmo que procurar num "outro mundo", um mundo ideal e não-sensível... 10 Ou, neste caso e se quisermos, os essencialistas. 11 É fácil notar que esse tipo de raciocínio serve de suporte à noção segundo a qual diferentes línguas - e, por extensão, diferentes culturas - têm diferentes e, mais do que isso, maiores ou menores competências, recursos e graus de "precisão" para tratar com a realidade, em termos de descrevê-la, apreendê-la, interpretá-la etc. 12 "A Filosofia não deve, de modo algum, tocar no uso efetivo da linguagem; em último caso, pode apenas descrevê-lo. Pois também não pode fundamentá-lo" (Wittgenstein, 1979, §124, p. 56). 13 Aliás, a própria noção de si mesmo torna-se também problemática se for tomada ao pé da letra. 14 Para discussões variadas e detalhadas sobre essa questão, sugiro Larrosa e Skliar (2002). © 2009


Revista Brasileira de Educação - ANPEd http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-24782003000200002&script=sci_arttext&tlng=pt Revista Brasileira de EducaçãoPrint ISSN 1413-2478Rev. Bras. Educ. no.23 Rio de Janeiro May/Aug. 2003doi: 10.1590/S1413-24782003000200002 ARTIGOS

domingo, 15 de março de 2009

A folha e a ditadura!


DITADURA & COLABORACIONISMOPaulo Vasconcellos
Bom artigo sobre a folha e a ditadura..


abs,


Moisés Silva

Jornalistas, Historiador e Educador



Os amigos da censura", copyright No. (www.no.com.br), 10/12/01

"Há um petardo pronto para virar livro. Trata-se de ‘Cães de guarda: jornalistas e censores, do AI-5 à Constituição de 1988’. A tese de doutorado da historiadora carioca Beatriz Kushnir, 35 anos, aprovada com louvor em outubro no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), lança suspeitas sobre um dos mitos cultuados pela imprensa brasileira: o de que jornais e jornalistas foram quixotes na luta contra o regime militar. O trabalho tem 473 páginas e é resultado de cinco anos de pesquisas. Beatriz mirou no que viu e acertou no que não viu. Começou como um estudo da censura à imprensa alternativa e acabou desvendando o grau de colaboracionismo com a ditadura incrustado em algumas redações. ‘Assim como nem todas as redações eram de esquerda, nem todos os jornalistas fizeram do ofício um ato de resistência ao arbítrio’, diz Beatriz Kushnir. ‘Há um desconforto diante da desmistificação generalizante de que os jornalistas combateram a ditadura.’ O trabalho demonstra que os jornais que tiveram um censor na redação não foram tantos assim, que a primeira profissão de parte dos censores era o jornalismo e, pior, que havia um elevado grau de promiscuidade nas relações entre alguns jornalistas e os órgãos de repressão. Beatriz não foge à polêmica. Para a tese de mestrado na Universidade Federal Fluminense (UFF) ela escolheu a história das prostitutas judias que se organizaram em associações de ajuda mútua e ficaram conhecidas como polacas, citadas nos versos de Aldir Blanc para a música ‘O mestre-sala dos mares’ - não por acaso uma das vítimas da censura, que vetou o título original: ‘O almirante negro’. A historiadora começou a derrubar as ilusões da imprensa brasileira ao pesquisar os documentos do Departamento de Censura de Diversões Públicas da Polícia Federal no Arquivo Nacional, em Brasília, entrevistando 11 censores - exceção para Solange Hernandes, a popular Solange Tesourinha, que mandava cortar tudo o que é filme, livro, texto de teatro e versos de músicas - e uma penca de jornalistas. O porão que escondia os instrumentos legais da censura abrigava também jornalistas de formação. ‘Foi tentando perceber quem eram os censores que me surpreendi ao encontrar já no primeiro grupo deles dez jornalistas.’ Descobriu ainda policiais de carreira que atuaram como jornalistas colaborando com a repressão. Os três primeiros capítulos mostram a evolução da censura desde a Proclamação da República. É iguaria rara, mas o melhor vem depois. Da posição cínica defendida por um jornal do Rio, em 1976, em defesa de uma ‘censura inteligente’ - feita por pessoal mais bem preparado política e intelectualmente - à constatação de que, na prática, os jornais optaram preferencialmente pela autocensura ao encampar as notas da Polícia Federal transmitidas pelo Serviço de Informação do Gabinete (Sibag), vinculado ao gabinete do ministro da Justiça, mas sem registro no organograma dos órgãos federais - portanto, clandestino. A alternativa era a censura prévia. Os censores estiveram nas redações para cortar os ‘excessos’ em poucos periódicos. No ‘O Estado de S. Paulo’, do AI-5 a janeiro de 1975, e na ‘Tribuna da Imprensa’, em um período não contínuo, de 1968 a 1978. Na imprensa alternativa freqüentaram ‘O Pasquim’, de novembro de 1970 a março de 1975, ‘O São Paulo’, de junho de 1973 a junho de 1978, ‘Opinião’, de janeiro de 1973 a abril de 1977, e ‘Movimento’, de abril de 1975 a junho de 1978. Na Veja, de 1974 a junho de 1976. A revista foi censurada ainda no berço, logo no número 5, em 1968. Durante todo o governo do general Emílio Garrastazu Médici seria uma das vítimas favoritas do regime. A edição com a capa ‘O presidente não admite torturas’ foi proibida de chegar às bancas. ‘Oliveiros, hoje nós não vamos aí.’ O governo do general Ernesto Geisel, com a promessa de abertura, ainda que lenta, gradual e segura, não deixou de estabelecer os parâmetros do que considerava permitido - mesmo que nos bastidores os ministros Golbery do Couto e Silva, da Casa Civil, e Armando Falcão, da Justiça, mantivessem diálogos com jornalistas anunciando a retirada da censura das redações. As notas proibitivas continuaram a ser transmitidas até fins de 1975. Nos primeiros dias de abril, o número 300 de ‘O Pasquim’ trazia o editorial intitulado ‘Sem Censura’, escrito por Millôr Fernandes, notificando ao leitor que desde 24 de março o tablóide se encontrava livre da censura prévia. Depois de um telefonema do Dr. Romão, o último dos quase 30 censores que o jornal teve em cinco anos, estava decretado que a responsabilidade passava a ser da redação. Sentença semelhante recebeu o então secretário de redação de ‘O Estado de S. Paulo’, Oliveiros S. Ferreira. ‘Eles ficaram do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, até 3 de janeiro de 1975, um dia antes do centenário do jornal’, relembra Ferreira. Foi quando ele recebeu um telefonema do chefe dos censores: - Oliveiros, hoje nós não vamos aí. Oliveiros: - Mas, então, quem responde pelo jornal? - Ah, isso é problema seu. Até logo! Um ano antes, o humorista Ziraldo, do ‘Pasquim’, havia escrito uma carta ao ministro da Justiça, Armando Falcão, pedindo a volta da censura do jornal para o Rio, que havia seis meses, em represália, era feita em Brasília para atrasar propositadamente o fechamento das edições. Ao fim da carta, além da assinatura, um desenho: a mão de um homem que se afogava e a palavra ‘help’. ‘Millôr Fernandes já havia advertido em seu editorial que o rompimento repentino da censura embutia a noção de que deixar de intervir era uma concessão que deveria ser paga com responsabilidade’, lembra Beatriz. ‘Sem censura não quer dizer com liberdade’, terminava o texto de Millôr. A censura espalhou vítimas para todos os lados. O cineasta francês Jean Luc Godard foi uma delas. No regime militar teve proibido o filme ‘A chinesa’. Em 1984, a censura a outro de seus filmes, ‘Je vous salue, Marie’, geraria protestos calorosos, a demissão do ministro da Justiça, na época o deputado federal pernambucano Fernando Lyra, e a exposição da permanência de atos censórios em um período de suposta redemocratização. Alguns jornais e jornalistas que não aderiram à resistência se bandearam para o outro lado. ‘Cães de guarda’ revela o papel duplo de uns e outros. Jornalistas que foram censores federais - e também policiais - e vice-versa dividiam as redações com as chamadas bases esquerdistas que, segundo o regime militar, sempre as dominaram. ‘No Brasil da censura existiam também os jornalistas colaboracionistas’, afirma Beatriz. ‘Eles foram verdadeiros cães de guarda.’ Um deles, segundo a tese, tomou conta do jornal ‘Folha da Tarde’, do Grupo Folha da Manhã, de 1967 a 1984. Todo o quarto capítulo narra a trajetória do jornal nos seus dois períodos: do renascimento, em 1967, até o AI-5. Beatriz Kushnir investigou a redação da ‘Folha da Tarde’ de 1967, que estava vinculada à cobertura dos movimentos políticos da época e tinha em seus quadros militantes de esquerda, até ser conhecida como ‘Diário Oficial da Oban’ (Operação Bandeirantes). ‘Cheguei à história da ‘Folha da Tarde’ por acaso’, conta. A historiadora tentava uma entrevista com o senador Romeu Tuma (PFL-SP), diretor do Departamento de Polícia Federal que rompeu com a tradição de militares no cargo desde a sua criação, em 1964. Chegou a entrar em contato com o seu assessor de Imprensa, em São Paulo, mas não conseguiu agendar um encontro. Ao entrevistar o jornalista Boris Casoy, âncora do Jornal da Record, para compreender os reflexos da censura na redação da ‘Folha de S. Paulo’, que ele dirigia na época, ficou sabendo quem era o assessor do senador e o significado da frase ‘o jornal de maior tiragem’. Nos dois casos bateu na figura de Antonio Aggio Jr. A queda com o AI-5 do jornalista Jorge Miranda Jordão, hoje em ‘O Dia’, da direção de redação da ‘Folha da Tarde’, abriu espaço para outro grupo de profissionais. Antonio Pimenta Neves, que mais de 30 anos depois responde a processo pelo assassinato da namorada, era um deles. Aggio, ex-editor do jornal ‘Cidade de Santos’, viria depois. ‘Sob o comando dele o jornal deu uma guinada à direita’, diz Beatriz. ‘O clima de delegacia policial resistiu 15 anos e o jornal ganhou o apelido de ser o de ‘maior tiragem’ em São Paulo, não por causa da circulação, mas pelo número de tiras (policiais) que empregava.’ Acusado de colaborar, Aggio diz que também foi parar na Oban Aggio rebate. ‘Essa tese é um negócio tortuoso para garantir o título de doutora à historiadora.’ Segundo o assessor do senador Tuma, a reformulação da ‘Folha da Tarde’ e o Projeto Folha, de 1984, quando o jornal passaria por nova mudança, nada teve a ver com ideologia, mas com mercado. ‘Nunca houve uma redação mais democrática que a da Folha da Tarde. Nunca se perguntou a coloração ideológica de ninguém por lá. Muitos esquerdistas trabalham no jornal até hoje’, afirma o jornalista. Aggio diz que todo o noticiário policial e militar tinha como fonte a Agência Folha e era publicado por todos os jornais do grupo. ‘Uma vez houve um incidente com o pessoal da luta armada em Osasco e como a ‘Folha da Tarde’ deu a notícia fui parar na Oban e no II Exército. Se fosse ligado à repressão não teriam me chamado para prestar esclarecimentos.’ ‘Havia pressão psicológica e armada, além de econômica, mas nunca a família Frias me pediu para mudar a linha do jornal para aderir ao regime. Obedecíamos ao que a censura impunha porque não havia saída. Depois que deixei a direção do jornal, ele mudou de linha editorial’, diz Jorge Miranda Jordão, antecessor de Antonio Aggio na ‘Folha da Tarde’. ‘A imprensa nunca foi quixote, mas também não chegou a ser um Exército de Brancaleone. Talvez uns dez por cento das redações apoiassem o regime até por convicção política.’ ‘Cães de guarda’ remexe em histórias nada edificantes. É o caso de uma manchete estampada pela ‘Folha da Tarde’ em abril de 1971 anunciando a morte do guerrilheiro Roque em confronto com a polícia paulistana. Roque era o codinome do metalúrgico Joaquim Seixas, preso com o filho Ivan, então com 16 anos. Militantes do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), os dois tinham sido presos acusados pelo assassinato do industrial Enning Boilesen, um dos financiadores da Operação Bandeirantes, apenas um dia depois do crime, e foram torturados na Oban. Ivan leu a manchete sobre a morte do pai em uma banca de jornal ao ser levado pelos policiais para um ‘passeio’. Na volta ainda encontrou Joaquim vivo. Ele seria morto, de fato, horas depois. Os jornais do dia seguinte se limitariam a reproduzir a nota oficial dos órgãos de repressão com a notícia que a ‘Folha da Tarde’ havia estampado na véspera com detalhes, segundo a tese, como se tivesse repórter no local. ‘Toda a caçada ao capitão Carlos Lamarca, que havia desertado do Exército levando armas e munições do quartel de Quintaúna, em São Paulo, comandado pelo coronel Antônio Lapiane, tio de Ággio, que até hoje é vinculado à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, vinha carregada de tintas fortes e se referia ao guerrilheiro como ‘louco’, afirma Beatriz. ‘A esquerda atribui à ‘Folha da Tarde’ a legalização de muitas mortes em tortura e `assassinatos acidentais´ de militantes em confronto com a polícia. Se sumissem todos os jornais que circularam um dia depois da missa ecumênica pela morte do jornalista Wladimir Herzog e só restasse a ‘Folha da Tarde’, não se saberia de nada. A cerimônia parou São Paulo, mas a FT não deu uma linha.’ A relação entre jornalistas e policiais já tinha sido exposta por Percival de Souza, repórter setorista de Polícia de ‘O Estado de S. Paulo’ e do ‘Jornal da Tarde’ e autor de biografias de figuras sombrias da ditadura, como o delegado Sérgio Paranhos Fleury, o temido e sanguinário torturador do Deops do Largo General Osório, em São Paulo, desenhado por ele como um amante adolescente. ‘Cães de guarda’ vai além. Esmiúça até à sarjeta o papel da imprensa na ditadura. Para se adaptar à autocensura não faltaram estratégias peculiares. A editora de uma revista de circulação nacional preparou um funcionário para dar curso aos censores de como realizar a tarefa. Uma rede de televisão contratou ex-censores para delimitar o permitido. Por abrigar jornalistas colaboracionistas algumas redações ficaram conhecidas como ‘ninho de gansos’. Era assim que eles eram tratados nos órgãos de repressão. Os jornalistas da ‘casa’ que cobriam o Deops não passavam pela revista a que eram submetidos os colegas com menos intimidade com os porões da ditadura - seguiam direto por uma entrada lateral, reservada aos policiais, apelidada de ‘passagem dos gansos’. ‘Muitos jornalistas trocaram a narrativa de um acontecimento pela publicação de versões que corroborassem o ideário repressivo’, diz Beatriz. ‘Fiéis aos seus donos, os cães de guarda farejaram uma brecha e, ao defender o castelo, nos venderam uma imagem errada. Quando o tabuleiro do poder mudou, muitos desses servidores foram aposentados, outros construíram para si uma imagem positiva e até mesmo heróica, distanciando-se do que haviam feito. Outros tantos se readaptaram e estão na mídia como sempre.’ Talvez alguns jornais brasileiros nunca tenham se aproximado tanto da imagem de papel de embrulhar peixe."http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/asp121220016.htm